
Lançamento do Livro “Viagem de Lisboa para Macau – 1825” de Anabela Leal de Barros
Lançamento do livro “Viagem de Lisboa para Macau – 1825” de Anabela Leal de Barros com apresentação do editor Carlos Morais José.
Viagem de Lisboa para Macau – 1825
Iniciara-se há um mês e cinco dias o ano de 1826 quando José Joaquim de Miranda e Oliveira, sacerdote da Congregação da Missão, assinou a relação da viagem de quase sete meses que fizera de Lisboa para Macau, de 1 de Abril a 24 de Outubro de 1825, no navio Vasco da Gama, na companhia de mais três congregados: João da França de Castro e Moura, Jerónimo José da Mata e José Ferreira da Silva.
Ironicamente, a viagem dos jovens minoristas João da França de Castro e Moura e Jerónimo José da Mata, cujo percurso de vida, mais longo, lhes viria a permitir relativa notoriedade e um papel de especial relevo no âmbito da propagação da fé, da defesa e concretização dos desígnios nacionais e do serviço a todos os humanos irmãos, ficou narrada para a posteridade por aquele cujo curso existencial mais cedo chegaria à sua foz, não chegando a permitir-lhe o papel relevante de que o seu relato e disposição para o estudo o mostravam bem capaz (e dificultando-nos assim o acesso a outros dados biográficos): José Joaquim de Miranda e Oliveira, sacerdote da Congregação da Missão já em 1825.
Fazia parte das obrigações e planos monásticos e eclesiásticos dar detalhadamente conta de cada viagem evangelizadora ou empresa de propagação da fé.
José Joaquim Pereira de Miranda e Oliveira, o autor deste breve relato, nascera em 1797 e ingressara no seminário de Rilhafoles em 1815. A 24 de Outubro de 1825, aos vinte e oito anos, chega a Macau, de onde parte dois anos depois para Nanquim, de que foi vigário geral, contudo, falece precocemente no dia de Todos os Santos, o primeiro de Novembro de 1828, deixando os cristãos a chorar a imensa perda de um padre europeu tão virtuoso e promissor, como então não se cansava de referir Monsenhor Carpeña Diaz, vigário apostólico de Fukien. Não o vitimaram os grandes perigos a que estivera exposto na viagem que descreveu — disso se mostrando grato em vários momentos do seu texto —, mas aguardavam-no, no destino, as implacáveis doenças da terra firme e a perseguição aos cristãos, que tornou a sua viagem de Macau para Nanquim mais mortífera que a aventura marítima, e comparativamente mais demorada.
O último legado escrito de José Joaquim de Miranda e Oliveira poderá ser o testemunho vívido, gracioso e generosamente detalhado desta viagem, de que não regressaria para voltar a ver a sua terra “tão digna de ser amada” e os seus irmãos de que já revelava saudades logo à partida, quiçá pressentindo que não voltaria a vê-los. Era notável o espírito de total entrega e sacrifício que levava este jovem sacerdote, e tantos outros, a entregar-se a um destino desconhecido em longínquas paragens em nome de Deus e da missão.
O manuscrito inédito do seu diário de viagem apresenta-se neste livro editado em lição semidiplomática, com estudo linguístico e glossário, e em lição modernizada ou interpretativa, com estudo do seu conteúdo, de forma a melhor o oferecer à leitura de todos quantos, no mundo, nele encontram referências à sua terra, gentes, línguas e costumes, entre Lisboa e Macau: muito em especial as ilhas de Cabo Verde, Indonésia, Malásia e Filipinas, a caminho da China. Os nomes dos pássaros e peixes desconhecidos, dos fenómenos atmosféricos, marítimos e sociais que se ofereciam à vista do maravilhado vicentino foram neles comentados e explicados, tal como o até então pouco conhecido “enjoo” marítimo, o tipo de coches usado nas Filipinas, a indumentária dos locais, ou a falta dela, e as ervas fumadas e mascadas nos portos de passagem. Em termos filológicos, o manuscrito é igualmente rico, dando-nos conta de um português que cruzou o mundo e suas línguas e com eles se enriqueceu e multiplicou.
Anabela Leal de Barros nasceu em Vila Real em 1967. É professora no Departamento de Estudos Portugueses e Lusófonos da Universidade do Minho e investigadora do Centro de Estudos Humanísticos, desde 1995. De 1991 a 1995 foi professora na Universidade de Macau, Instituto de Estudos Portugueses. Doutorou-se em Linguística Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (2008), sendo Mestre em Linguística Histórica, Linguística Românica e Crítica Textual pela mesma instituição (2000). Desenvolve a sua investigação e leccionação no âmbito da Linguística Histórica, História da Língua Portuguesa, Filologia, Ecdótica e Linguística Aplicada, áreas a que se reporta a maior parte dos livros e artigos científicos que tem publicado. Dedica-se à edição e estudo da poesia barroca portuguesa com base na tradição manuscrita, bem como de códices de épocas e âmbitos diversos, em particular da História da Alimentação, Medicina, Música, Direito e Economia; da Arqueologia da Paisagem; da Historiografia Linguística e da Linguística Missionária. Para além da tradição manuscrita, entrega-se desde 2002 à recolha e edição da literatura timorense de tradição oral e ao estudo diacrónico do português timorense, tendo já publicados sete livros de contos e lendas de Timor-Leste.
